segunda-feira, 25 de março de 2024

Dinheiro ´sem dono´: Justiça do Trabalho procura donos de R$ 21 bi esquecidos


A Justiça do Trabalho procura os donos de valores esquecidos em contas judiciais de processos trabalhistas arquivados, no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, que somam R$ 21 bilhões. Os valores são referentes a depósitos recursais (desembolso prévio para recorrer de uma decisão), honorários periciais e alvarás de empresas.

A situação acontece quando as partes, como trabalhadores ou empresas, não comparecem às varas para sacar os valores ao final do processo. Também há casos em que credores não tomaram ciência da existência dos valores ou não puderam ser localizados pela Justiça, além da morte de advogados ou pessoas envolvidas.

Cada processo trabalhista gera uma conta judicial vinculada, na qual esses recursos são depositados.

A busca pelos recursos esquecidos é feita pelo projeto Garimpo, coordenado pela corregedoria do TST (Tribunal Superior do Trabalho), em decorrência de um ato conjunto com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho e apoio dos 24 tribunais regionais do trabalho do país.

O grupo busca identificar os credores com o uso de ferramentas de pesquisa patrimonial, informações da Justiça Eleitoral e de sistemas de registro civil —além de certidões de óbito, para o caso de reclamantes falecidos que tenham deixado herdeiros. Os números desses processos também são divulgados em diários oficiais.

Há ações tão antigas —algumas até da década de 1960— que estão em versão de papel. Em certos casos, os valores corrigidos pela inflação alcançam cifras milionárias.

A proporção dos esquecidos fica em torno de 70% empresas, 20% trabalhadores e 10% outros, como INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), custas processuais, peritos e honorários.

De acordo com o juiz auxiliar da corregedoria do TST, Carlos Abener, nos casos em que não é possível localizar os beneficiários, os recursos são declarados como abandonados e devem ser revertidos em favor da União.

Foram registrados R$ 3,9 bilhões em 728.743 contas não identificadas, valores que já poderão ser repassados à União. A estimativa é que esse montante possa chegar a R$ 10 bilhões, engordando os caixas federais.

O magistrado explica que isto pode ser feito por meio de uma interpretação da legislação civil geral que entende que dinheiro abandonado na Justiça Federal pode ser enviado para a União.

Estão sendo feitas tratativas do tribunal com a Receita Federal, para que seja criado um código específico de arrecadação para o recolhimento desses recursos. Abener estima que, até setembro, será feita uma primeira entrega.

O volume revertido à União será inédito. Durante a pandemia de Covid-19, já havia sido feito o envio de R$ 43 milhões ao governo para o combate à doença, mas de contas judiciais abandonadas que não ultrapassavam a quantia considerada ínfima pela Justiça, de R$ 150.

“Desta vez, não há valor máximo. O que não for identificado será repassado. Há contas com R$ 1 milhão”, diz o juiz.

Apesar disso, ele afirma que a prioridade é a busca pelos titulares e a devolução dos valores. Desde 2021, R$ 4,6 bilhões já foram localizados e distribuídos às partes.

“Diariamente são verificados valores em favor de reclamantes, em sua maioria pessoas simples, beneficiários da Justiça gratuita. É um projeto hercúleo, que às vezes carece de uma divulgação adequada, até mesmo para que as pessoas beneficiadas saibam que o pagamento é decorrente de um esforço a mais que a Justiça tem na varredura dos processos antigos”, afirma.

O projeto só analisa processos anteriores a 2019, já que neste ano o tribunal reforçou atenção às normas que impedem o arquivamento definitivo de um processo judicial com valores disponíveis em contas vinculadas.

Atualmente, é deixada com as varas a competência para tratar dos resíduos dos processos mais novos.

Por essa resolução, se os valores depositados não forem resgatados no prazo de dez anos, poderá ser expedido um alvará determinando a conversão em renda em favor da União. Quanto aos valores em que não se identifica o titular, são certificados e transferidos com edital de dez dias.

Segundo o juiz Inácio Oliveira, que atua no Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (Rio Grande do Norte), os valores são abandonados porque as partes se esquecem de procurar os depósitos judiciais, não têm conhecimento deles ou há uma desorganização do corpo jurídico que as assessora.

“Às vezes, um escritório de advocacia não faz um controle cuidadoso em relação aos depósitos que são feitos nos processos e não se lembra de pedir a restituição quando são arquivados, ou seja, são quitados e sobra um dinheiro”, explica.

Ele ainda afirma que também há casos em que a empresa passa por um processo de fechamento ou falência tão profundo que não tem nem quem possa pedir esses valores em nome dela. “A empresa quebra, os sócios efetivamente não respondem mais por ela e os advogados também não atuam mais a favor dela”, disse.

O magistrado ainda conta que, em um dos casos, em setembro do ano passado, foram localizados valores de uma empresa que quebrou e estava sem bens para executar, e eles foram direcionados para o pagamento de dívidas da empresa em outro processo, em que uma trabalhadora acionou a Justiça para receber salário vencido, aviso prévio, 13º e férias.

Antes de efetivar a devolução, o Garimpo verifica se as empresas têm outros processos não pagos. Se têm, o valor é destinado ao pagamento, não devolvido.

No TST, foi registrado o caso de uma advogada que pensou que se tratava de um trote ao ser informada de que uma cliente, que era empregada doméstica, deveria receber cerca de R$ 1 milhão de um processo trabalhista de seu pai já morto.

O advogado Ronaldo Ferreira Tolentino, presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Nacional, critica a falta de regulamentação para transferência de valores entre processos de uma mesma empresa, mas elogia o projeto Garimpo.

Ele afirma que, por parte das empresas, a situação é muito comum porque no direito trabalhista deve-se fazer depósitos prévios para que se possa recorrer de uma decisão, em valores que chegam a até R$ 12,6 mil na segunda instância e R$ 25 mil no TST. “Como há empresas com volume muito grande de ações, às vezes não há um controle rígido sobre esses depósitos, que podem ser devolvidos ou utilizados para o pagamento durante a execução processual”, disse.

Com informações da Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário