quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Em depoimento a CPI - Hacker escancara planos e intenções golpistas de Jair Bolsonaro


O hacker Walter Delgatti prestou depoimento à CPI dos Atos Golpistas nesta quinta-feira (17) no Congresso Nacional. Preso desde o dia 2 de agosto por invasão a sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Delgatti ficou conhecido nacionalmente em 2019, quando vazou mensagens de diversas autoridades envolvidas na operação Lava Jato. O episódio, investigado na operação Spoofing, ficou conhecido como "Vaza Jato".

Ele foi convocado para comparecer à CPI dos Atos Golpistas após uma operação da Polícia Federal, que também mirou a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP). Os agentes da PF apuram a inserção de alvarás de soltura e mandados de prisão falsos no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, do CNJ.

À CPI nesta quinta-feira, Delgatti afirmou que:


Promessa de indulto - Delgatti afirmou aos integrantes da CPI que, durante uma reunião no Palácio da Alvorada com Jair Bolsonaro (PL) antes das eleições de 2022, o então presidente assegurou que concederia um indulto (perdão presidencial) a ele, caso fosse preso ou condenado por ações sobre urnas eletrônicas.

Questionado pela relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), se recebeu garantia de proteção do ex-presidente, Delgatti confirmou. "A ideia ali era que eu receberia um indulto do presidente. Ele havia concedido um indulto a um deputado federal. E como eu estava com o processo da Spoofing à época, e com as cautelares que me proibiam de acessar a internet e trabalhar, eu visava a esse indulto. E foi oferecido no dia", declarou.

Grampo contra Moraes - No depoimento, o "hacker da Vaza Jato" disse que, em conversa com Bolsonaro, ouviu que o entorno do então presidente já havia conseguido grampear o ministro Alexandre de Moraes, integrante do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segundo Delgatti, na ligação, Bolsonaro teria sugerido que Delgatti Neto "assumisse a autoria" do grampo. "Segundo ele [Bolsonaro], eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo", disse.

Ainda de acordo com o hacker, a ideia por trás dessa estratégia era evitar questionamentos "da esquerda" – já que, por ter hackeado autoridades ligadas à operação Lava Jato, em anos anteriores, ele gozaria de prestígio entre os opositores de Bolsonaro.

Emprego na campanha de Bolsonaro - O hacker também afirmou que a deputada Carla Zambelli teria prometido a ele um emprego na campanha à reeleição do candidato Jair Bolsonaro.

No entanto, segundo Delgatti, a proposta não avançou e ele ficou encarregado de cuidar das redes sociais da parlamentar.

Delgatti afirmou que se encontrou por acaso com Zambelli em Ribeirão Preto (SP) e se apresentou. Os dois então teriam trocado contato e, segundo o hacker, a deputada o contatou e ofereceu uma vaga de trabalho. "Ela [Zambelli] disse que havia uma oportunidade de emprego para mim, no caso, seria na campanha do Jair Bolsonaro, do ex-presidente", declarou.

'Código-fonte' fake das urnas - Segundo o hacker, em uma reunião com assessores de campanha de Jair Bolsonaro, ele foi aconselhado a criar um "código-fonte" falso para sugerir que a urna eletrônica era vulnerável e passível de fraude.

A proposta teria partido do marqueteiro Duda Lima em uma reunião com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) e outras pessoas ligadas à parlamentar. "A segunda ideia era no dia 7 de setembro, eles pegarem uma urna emprestada da OAB, acredito. E que eu colocasse um aplicativo meu lá e mostrasse à população que é possível apertar um voto e sair outro", disse Delgatti.

"Eles queriam que eu fizesse um código-fonte meu, não o oficial do TSE. E nesse código-fonte, eu inserisse essas linhas, que eles chamam de 'código malicioso', porque tem como finalidade enganar, colocar dúvidas na eleição", completou Delgatti.

'Ordem do presidente' - Delgatti afirmou que sabia que estava cometendo crime ao atuar contra o processo eleitoral, mas que agiu por suposta "ordem de um presidente da República". "Sim, eu sabia [que estava fazendo coisas erradas]. Lembrando que era ordem de um presidente da República. [...] Então, eu estava... tanto que eu entrei em contato com a 'Veja' e relatei isso por medo".

Ele disse que o medo decorria do fato de saber que estava cometendo crime. E voltou a dizer que Bolsonaro teria garantido "indulto em uma eventual investigação, uma eventual denúncia, ou processo ou condenação".

Mandado falso contra Moraes - Delgatti voltou a dizer que partiu de Carla Zambelli o texto de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. O falso mandado foi inserido no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e descoberto em 5 de janeiro.

"Fui eu [o responsável por inserir o mandado falso no sistema]. A deputada me enviou um texto pronto, eu corrigi alguns erros e contextualizei, e publiquei a decisão. Ela me enviou [o texto], quem fez eu não sei", declarou.

Relatório sobre urnas - Delgatti disse que orientou técnicos do Ministério da Defesa que elaboraram relatório oficial da pasta sobre as urnas eletrônicas. O documento, posteriormente, foi entregue ao TSE, em novembro de 2022.

O relatório não apontou qualquer fraude na votação, mas pediu que o TSE fizesse "ajustes" no sistema eleitoral já rejeitados tecnicamente por entidades fiscalizadoras e disse que não era possível atestar a "isenção" das urnas.

A posição do Ministério da Defesa, sugerindo dúvidas sobre a isenção das urnas, divergiu de todas as demais entidades fiscalizadoras nacionais e internacionais. "Tudo isso que eu repassei a eles consta no relatório que foi entregue ao TSE. Eu posso dizer hoje que, de forma integral, aquele relatório tem exatamente o que eu disse, não tem nada menos e nada mais", afirmou o hacker.

Bate-boca com Moro - Durante o depoimento, o hacker Walter Delgatti e o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) bateram boca. O hacker, que prestava depoimento, afirmou que Moro é "criminoso contumaz" e foi chamado pelo ex-juiz de "bandido".

Delgatti Neto ficou conhecido como o hacker da "Vaza Jato", em 2019, quando invadiu dispositivos eletrônicos e vazou mensagens atribuídas ao então ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro, a integrantes da força-tarefa da Lava Jato e a outras autoridades.

O embate iniciou quando Moro citou condenação de Delgatti pelo crime de estelionato, relacionado a golpes que teriam sido cometidos em Araraquara (SP), e perguntou ao hacker quantas vítimas ele teria prejudicado. Delgatti respondeu:

"Relembrando que eu fui vítima de uma perseguição em Araraquara, inclusive, equiparada à perseguição que vossa excelência fez com o presidente Lula e integrantes do PT".

Na sequência, Delgatti disse que leu conversas do ex-juiz da Lava Jato em aplicativos de mensagem. "Li a parte privada e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, cometeu diversas irregularidades e crimes".

Moro, então, pediu ao vice-presidente da CPI, senador Cid Gomes (PDT-CE), que exercia a presidência da comissão, que advertisse Delgatti, dizendo que o depoente não podia caluniar um senador na CPI.

- "Bandido aqui, desculpe senhor Walter, que foi preso é o senhor. O senhor foi condenado. O senhor é inocente como o presidente Lula, então?", indagou o senador.

 - "O senhor não foi preso porque recorreu à prerrogativa de foro por função", retrucou o hacker.

O que dizem os citados por Delgatti - Em nota, a defesa da deputada Carla Zambelli (PL-SP) "refuta e rechaça qualquer acusação de prática de condutas ilícitas e ou imorais pela parlamentar". E diz que não teve acesso aos autos da investigação.

"Suas versões [de Delgatti] mudam com os dias, suas distorções e invenções são recheadas de mentiras, bastando notar que a cada versão, ele modifica os fatos, o que é só mais um sintoma de que a sua palavra é totalmente despida de idoneidade e credibilidade", diz a defesa da deputada.

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